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TEMAS ACADÊMICOS

A NOVA LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE: ENTRE O ÓBVIO E O NECESSÁRIO

09/10/2019

Por Prof. LOÊDI LISOVSKI,

Advogado de causas criminais e professor de direito penal e processo penal.

 

 

Questionamentos e dúvidas há em torno da nova Lei de abuso das autoridades, agentes públicos a “serviço” do estado.

De fato, era mesmo necessária a alteração/criação de uma Lei neste sentido, limitando alguns comportamentos.

Autoridades exemplares existem, e estas não necessitam de se preocupar com a novel Lei.

Infelizmente, algumas autoridades contrariando a regra, abusam de algo que nunca é suficiente: o poder, eis que ele nunca os satisfaz plenamente, pois sempre surgirá alguma circunstância nova na dinâmica da vida, a qual será imprescindível o (ab)uso de sua autoridade e poder.

A então extinta Lei dos crimes de abuso de autoridade, da década de 60, criada em pleno regime ditatorial não dava conta do assunto. Até porque extremamente limitada, e de pouca funcionalidade prática.

Então, a prática do dia a dia mostrou a necessidade de se limitar as autoridades por uma perspectiva mais incisiva.

Pois bem. Quando se tipifica (criminaliza) uma determinada conduta, o legislador busca conter uma certa forma de agir das pessoas, e neste caso específico seria a dos agentes públicos, em sentido amplo, de todas as funções dos poderes. A Lei 13.869/19 é clara neste sentido, em seu art. 2º.

O legislador recebeu uma mensagem da sociedade, ou de entidades específicas, que os agentes públicos do estado democrático de direito brasileiro, estariam se comportando de forma abusiva, e isto precisava ser contido através de uma ameaça de pena, esta contra motivacional.

A ameaça de pena que, via de regra, serviria apenas ao débil, serve agora ao alto. As autoridades não seriam pessoas confiáveis a ponto de autogerir seus comportamentos. Isto, claro, seguindo a lógica de criação da Lei.

Em pleno século XXI nosso estado democrático de direito sucumbe (pela desmoralizante situação) diante de uma legislação que busca limitar as condutas de autoridades. A edição de uma Lei com esse conteúdo (limitação de condutas de autoridades) demonstra que algumas autoridades brasileiras estão mal preparadas, que são pessoas injustas, incivilizadas e pouco confiáveis. E a pergunta que nunca quis calar é: podemos ou devemos confiar nas autoridades que julgam, avaliam, regulam, muitas vezes comandam os nossos comportamentos? Seguindo a lógica da Lei, não, de forma alguma.

O problema do abuso de autoridade por parte de uma pessoa é, antes de mais nada, um problema psicológico, pessoal. Todo abuso ou excesso é burro. O abuso não surge no direito, na Lei, na norma, mas sim na vida, diante dos comportamentos desproporcionais e disfuncionais. E a partir destas desproporções, criam-se os limites.

Assim como a drogadição não é um fenômeno jurídico, abusar da autoridade que lhe foi concedida também não o é. Trata-se de problema moral. A Lei é apenas um mecanismo social de tentativa de conter abusos pessoais ou institucionais, porém, falível.

Abusar significa ir além de um limite (Lei), que se diga de passagem é (e deve ser) bem conhecido por aqueles que receberam autorização do ente estatal para fazer valer a vontade do Estado. Viola-se um limite, bem como a confiança.

Quando o estado outorga a uma pessoa o direito de agir em seu nome, o faz dentro de limites. Por certo o agente é ensinado a agir (sua obrigação), bem como o limite de sua atuação. Logo, agindo fora dos limites, deixa de agir em nome do estado, e sua atuação passa a ser pessoal, e não institucional.

Quando uma autoridade abusa ou infringe a norma, ela se equipara aquele que comete um crime, porque o criminoso é também um abusador. O criminoso quando pratica o crime, quando é sancionado pela autoridade, somente o é porque contrariou os limites normativos.

As pessoas de uma forma geral são ensinadas a pensar e agir imaginando autoridades como entes imaculados, totens em alguns casos, como os magistrados. Essa é a forma de distribuição de posições na sociedade, no sentido de que alguém tem de respeitar alguém, e este outro alguém deve estar em um lugar mais alto, pois foi elevado a categoria de autoridade, ou aquela que fala do alto por algum motivo, de um lugar superior em relação aos demais, sob pena de não existir respeito entre as civilizações. Somente a Lei não bastaria. Necessário alguém que faça cumprir a Lei.

A dita autoridade, em diversas vezes, tendo autorização legal, pratica atos que fogem da normalidade, como por exemplo: direito de entrada em domicílio alheio, realização de prisões e solturas, buscas e apreensões, conduções forçadas de pessoas (testemunhas), retirada de objetos e sua entrega a terceiros, buscas em empresas, investigações de pessoas, notificações, acusações, ouvir as conversas alheias sem o conhecimento dos implicados, inquirir pessoas, bloquear valores, entre uma série de outras medidas constritivas de direitos e de liberdade inclusive. Isso se chama exercício do poder de polícia, algo inerente a função de alguns agentes públicos e necessário a manutenção da sociedade.

E é justamente esse o ponto da questão: no exercício deste poder de polícia, onde se encontra o permitido e o proibido? Por óbvio que na Lei. E não na conduta pessoal de cada um, a partir de suas convicções.

A Lei, quando regulamenta certa atividade, o faz buscando atingir uma finalidade específica, limitando a atividade daquele que dela fizer uso.

Qualquer conduta que ultrapasse o conteúdo regulamentado na Lei, em sendo agente público, violará o conteúdo normativo da Lei, logo, abusará da autoridade que lhe foi confiada, sendo merecedor, assim como os demais, de sanção.